sexta-feira, 27 de julho de 2007

A idéia

De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!
Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!

Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica ...

Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da língua paralítica.

A idéia, Augusto dos Anjos

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Apontamentos de História Sobrenatural

A beleza dos versos impressos em livros
-serena beleza com algo de eternidade-
Antes que venha conturbá-los a voz das declamadoras.
Ali repousam eles, misteriosos cântaros,
Nas suas frágeis prateleiras de vidro...
Ali repousam eles, imóveis e silenciosos.
Mas não mudos e iguais como esses mortos em suas
[tumbas.
Têm, cada um, um timbre diverso de silêncio...
Só tua alma distingue seus diferentes passos,
Quando o único rumor em teu quarto
É quando voltas, de alma suspensa - mais uma página
Do livro... Mas um verso fere o teu peito como
[a espada de um anjo.
E ficas, como se tivesses feito, sem querer, um milagre...
Oh! que revoada, que revoada de asas!

Apontamentos de História Sobrenatural, Mario Quintana

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Antes do nome

Não me importa a palavra , esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o "de", o "aliás",
o "o", o "porém" e o "que", esta incompreensível
muleta que me apoia.
Quem entender a linguagem entende Deus
cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,
foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infrequentíssimos,
se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
Puro susto e terror.

Antes do nome, Adélia Prado

Metapoemas

Sempre adorei poesias, mas de todas, as que mais me atraem e inspiram( sabe Deus porquê) são as Metapoesias. Estes poemas "autobiográficos", que falam de si mesmos, sempre me pareceram os mais bonitos e substânciais de todos.

Tentando achar o "porquê", me ocorreu, certa vez, que eles talvez sejam a ontologia da poesia. A ontologia trata o ser enquanto ser, a metapoesia trata a poesia enquanto poesia. Assim, "metapoetizando", a poesia desvela-se. E poetiza, com uma franqueza incrível, a inspiração do ato criador; a solidão dos poemas abandonados pelos olhos; a descoberta do leitor.

O poema aqui, faz-se humano: pensa-se, questiona-se e autodetermina-se.